segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

A Agronomia Moderna

As primeiras referências sobre teorização agronômica apareceram nos “Cursos de Agricultura”, de Adrien de Gasparin (1848), graças às contribuições da física, das ciências biológicas e, sobretudo, da química. Tratou-se, no entanto, de conhecimentos ainda fragmentados, analítico-experimentais, onde o solo, a planta, o clima, as técnicas foram consideradas separadamente e referidas a condições particulares. Nesse período, cristalizou-se uma agronomia prescritiva e normativa. A pesquisa (teorização) agronômica foi fortemente influenciada, no seu início, pelo desenvolvimento da química agrícola, particularmente pelos trabalhos pioneiros de Liebig (1840). Esta disciplina deixou marcas até hoje bem perceptíveis. Mais recentemente, já na primeira metade do século XX, a fisiologia vegetal também passou a exercer uma influência crescente nos processos agronômicos. Nos anos 1960, surge na Europa (França, particularmente) a agronomia moderna, com S. Henin, discípulo de Bachelard, através de seus estudos sobre a instabilidade estrutural dos solos. Essa vertente rompeu com a visão normativa e setorial da agronomia, propondo uma abordagem global e teorizada do conjunto formado pela população vegetal, o solo, o clima e as técnicas dos cultivos, e subordinando as observações e os dados coletados a uma construção intelectual. Com Henin e seus discípulos na Europa, os métodos agronômicos ganharam impulsão baseados em três eixos: a) a experimentação; b) a observação e o acompanhamento de situações controladas; e c) a análise e diagnóstico de situações regionais. No que se refere a esse último eixo, um agrônomo referencial é René Dumont, que no final da década de 1950 desenvolveu métodos para tornar mais compreensíveis as técnicas agrícolas em relação a uma visão global de exploração, fundando uma tecnologia agrícola comparada que representa ainda hoje um segmento da agronomia mundial. A abordagem globalizante da ecologia deu à agronomia a definição mais ampla de uma  “ecologia aplicada à produção das populações de plantas cultivadas e ao melhoramento dos solos agrícolas” (Henin apud Deffontaines, 1992). Surge, então, o que se pode chamar de agronomia moderna. Apoiando-se nessa definição, as pesquisas agronômicas começaram  a ser desenvolvidas em duas direções. Uma delas, apoiando-se no aprofundamento dos conhecimentos sobre os mecanismos inerentes ao sistema formado pelo clima, o solo e a planta, e também nos conhecimentos básicos adquiridos por diversas disciplinas, tais como a fisiologia vegetal, a bioclimatologia e a pedologia. Esses conhecimentos constituíram uma visão da agronomia como “ciência de um conjunto complexo de fenômenos ligados entre si e cuja exteriorização, em nível de campo, é subordinada à dependência de um fator aleatório, o clima” (Henin e Sebillote apud Deffontaines, 1992). Essa formulação, restritiva em relação àquela de Henin, em 1967, define um ponto de vista ecofisiológico da agronomia. A outra direção dada à pesquisa/interesse agronômico levou em conta as intervenções técnicas e os objetivos dos agricultores, manifestando um outro ponto de vista sobre a agronomia que é definido como “uma abordagem simultaneamente diacrônica e sincrônica das relações no interior de um conjunto constituído pela população vegetal, o clima, o solo e submetido à ação do homem em vista de uma produção” (Sebillote apud Deffontaines, 1992). Mais recentemente, já praticamente na década de 1970, essa última direção mencionada acabou por influenciar outra perspectiva muito próxima: o interesse pela diversidade local e regional das condições de produção e de melhoria dos solos. Essas pesquisas são definidas como  “análise descritiva e explicativa de fenômenos (técnicos) agrícolas observados em áreas geográficas variadas, com o objetivo de esclarecer os processos de adoção de inovações técnicas”(Deffontaines, 1972). Essa definição realça o conhecimento e a compreensão das múltiplas modalidades e das intervenções técnicas colocadas em prática pelos agricultores em meios ambientes diferentes; ela introduz o que se pode considerar como uma “finalidade de desenvolvimento”. No âmbito dessas discussões e do avanço do conhecimento agronômico, os agrônomos situam-se frente a duas funções principais: uma, avançar na elaboração do corpus teórico de referência da agronomia, produzindo uma teoria agronômica; outra, compreender as situações, fazer diagnósticos e avaliações que subsidiem a ação. Essa última função do agrônomo, que o leva a formular juízos sobre situações, traz conseqüências bem significativas para a profissão e para o desenvolvimento da área de conhecimento. Para julgar, é necessário fazer referência a um corpus teórico, mas levando em conta a situação na qual se encontra aquele que age, assim  como seus objetivos. A importância dada a uma ou a outra dessas funções está na origem de duas correntes atuais da agronomia, surgidas nos últimos 25-30 anos. Assim, no decorrer das décadas de 1970 e de 1980 assistiu-se à afirmação dessas duas correntes, uma da “ecofisiologia das plantas cultivadas” (ou corrente analítica) e, outra, de uma “tecnologia agrícola” (ou corrente global ou tecnológica). Na primeira perspectiva, a população de plantas e o meio (clima-solo) são os objetos científicos de base. O principal objetivo da pesquisa agronômica passa a ser o de definir as leis de variação dos estados da população e do meio no âmbito das combinações técnicas dadas. Pelo mundo afora, surgem importantes trabalhos sobre a modelização dos rendimentos de diferentes cultivos. A experimentação é o método adequado à validação de tais modelos, tendo a parcela como nível pertinente de análise. Na segunda perspectiva, não é a população de plantas o objeto central da pesquisa, mas a técnica. Essa é vista como nas suas conseqüências sobre a população de plantas e o meio, assim como nas condições de sua escolha. A técnica não é mais vista somente como um fator de produção, mas igualmente como um resultado, ou seja, produto de uma opção que depende de uma situação individual e que tem uma dimensão social. Os princípios da chamada “Revolução Verde” muito contribuíram para afirmar essa perspectiva. No âmbito específico da pesquisa agronômica, os trabalhos de experimentação com fertilizantes são emblemáticos. É, portanto, nesse contexto que surge de maneira clara o antagonismo técnicas versus práticas. Se por um lado, as técnicas podem ser analisadas, elaboradas, testadas independemente daqueles que as utilizam, as práticas não podem ser estudadas sem se levar em consideração as condições nas quais agem os agricultores, sem uma análise do contexto social, econômico e ecológico da ação. Neste contexto, a agronomia é cada vez mais conectada às “questões do meio ambiente”, já que seu próprio objeto de estudo se encontra no centro de muitas questões ou problemas ligados à esta questão-maior. De fato, a agronomia estuda, formaliza e concebe lógicas de ação técnica de produção vegetal, seja esta destinada ao consumo humano, animal ou à transformação agroindustrial. Um bom número dos problemas ambientais é oriundo de um questionamento das modalidades de ação técnica visando à produção agrícola (por exemplo, aqueles relacionados à natureza, localização, tempo/período e quantidades da produção, entre outras). Assim, o entendimento do que seja a agronomia, pelo viés de suas práticas, é reforçado pela dependência desta em relação ao processo dinâmico de funcionamento das populações vegetais cultivadas e do meio biofísico (sob efeito das praticas agrícolas). Neste sentido, a agronomia utiliza conhecimentos originados da agro-fisiologia, da pedologia e da bioclimatologia. Mas essas lógicas de ação são também de natureza organizacional, isto porque a agronomia utiliza igualmente os conhecimentos oriundos das ciências da gestão, da economia, da sociologia e da antropologia, por exemplo. O exposto acima induz a reflexão a um novo entendimento da dualidade (técnica versus práticas ou lógicas de ação) permitindo pensar uma terceira perspectiva agronômica, ainda em fase de construção. Ela leva, necessariamente, a métodos de análise in situ, como por exemplo as pesquisas/diagnósticos de situações definidas. A agronomia começa a ser compreendida por alguns como uma disciplina capaz de trazer à luz o estado e o funcionamento dos sistemas técnicos em níveis mais englobantes, das cadeias agroalimentares, do conjunto das unidades de produção agrícola que estão sob a influência de uma cooperativa, de uma comunidade ou pequena região, até mesmo  de uma região maior e, em particular, na solução de problemas identificados  pelos “agentes de desenvolvimento”. Nesta “nova” perspectiva, as pesquisas diferem segundo a importância dada ao caráter operacional de seus resultados (ou seja, a aplicabilidade das tecnologias geradas). Nesse caso, surge a necessidade da pesquisa multi e interdisciplinar, variando as disciplinas segundo o caso. Os trabalhos que começam a surgir nessa perspectiva estão mais orientados para a ação, na direção da gestão técnica  individual ou coletiva. Essa orientação na perspectiva de uma “agronomia gestionária”, fundada  sobre uma bidisciplinaridade, como por exemplo economia-agronomia, ou sociologia-agronomia, é sem dúvida uma das conseqüências importantes do trabalho de alguns grupos, no Brasil e no mundo, ainda que muito minoritários frente à tendência atual. Essa terceira perspectiva, muito recente, tem sido influenciada pela abordagem sistêmica e pela dimensão ecológica dos processos produtivos. Surge a agroecologia como um conjunto de princípios balizadores para a pesquisa agronômica, tentando resgatar valores como a conservação/preservação dos recursos naturais, a distribuição eqüitativa de recursos entre os atores sociais envolvidos na produção/consumo e a visão englobante ou sistêmica das coisas (Almeida, 1998;1999). Essa perspectiva passa a cobrar da disciplina agronomia uma abertura maior à reflexão multi e interdisciplinar.

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